21.7.10

Crônica lisboeta (ou sande e cerveja na pressão)

Cefas Carvalho


Tive o privilégio de, ao final de uma viagem recente, passar 24 horas em Lisboa. A capital portuguesa é bela sem dúvida, mas algo parecida com as cidades brasileiras: certa sujeira nas ruas (principalmente no centro), mendigos pedindo esmolas e certa rudeza no tratamento entre as pessoas.

Ainda assim trata-se de uma cidade de Primeiro Mundo: tudo funciona, ou parece funcionar. Tudo que funciona causa certeza estranheza a quem nasce no Brasil, onde as coisas cronicamente não funcionam ou funcionam mal. Da mesma forma o bom sendo e o pragmatismo europeu parecem chocar o brasileiro de forma geral. Vivi uma situação curiosa e algo cômica em Lisboa neste sentido.

Eu havia acabado de chegar à cidade e do aeroporto peguei um ônibus para o Centro Histórico, caminhando por toda a avenida da Liberdade e avenida Augusta até o Tejo. Na volta, parei em uma lanchonete, chamada Pastelaria Aurora, salvo engano. Queria beber um chope e vi pelo vidro, no balcão, alguns sanduíches de frango que pareciam deliciosos. Uma garçonete se aproximou de mim e perguntou com sotaque português fortíssimo o que eu queria.

“Um sanduíche e um chope, por favor”, pedi. Pela expressão do rosto, vi que ela não havia entendido. Apontei para o sanduíche, indicando o que eu desejava. Foi quando de repente a outra garçonete, algo espevitada, que estava ao lado, interveio: “Ele é brasileiro, é meu conterrâneo, deixe que eu falo com ele”, disse. Sorri para ela e perguntei onde nascera. Era mineira de Teófilo Otoni. Repeti para ela o meu pedido. “Aqui sanduíche é sande e para pedir chope você tem que dizer cerveja na pressão”, explicou. “Ah, certo, agora vou falar as palavras certas”. “Que nada, besteira”, continuou a menina, “vindo aqui ou em lanchonetes onde trabalham brasileiros, você pede um chopinho mesmo. E eles (os portugueses, deduzi) que aprendam a saber o que a gente fala”, completou a espevitada.

A primeira garçonete então – portuguesa, lembremos – interveio: “Mas já que ele está aqui tem que aprender como nós chamamos as coisas”, afirmou. Quando eu me preparava para dizer que ela estava coberta de razão e que essa era a minha intenção, a brasileira retrucou, aí já com alguma rispidez: “Bobagem, cada um fala como quer”. A portuguesa não deixou barato: “Pois se eu for passar um tempo no Brasil vou tentar falar como os brasileiros...” A esta altura eu já estava entretido com o sande de frango e maionese e a Sagres geladíssima e ademais, elas já haviam esquecido de mim e se engalfinhado na discussão particular, até que viessem outros clientes ou o patrão lhes desse um puxão de orelhas.

Contudo, o episódio me chamou a atenção. O que faz uma mulher morar em outro país, que fala a mesma língua sim, mas de forma muito diferente, e não querer assimilar nada da cultura do país que adotou como lar? Qual o futuro que a garçonete terá no local onde trabalha? Pensando a agindo daquela forma, teciona ela chegar à gerente da lanchonete, arranjar um emprego melhor? Triste sina a dos brasileiros de tentar reproduzir em terra alheia todos os vícios e manias que experimentamos no Brasil. Igual àquele pessoal que viaja para Londres, Paris, Munique e passa boa parte do tempo tentando achar lugares onde se serve comida brasileira.

Como eu disse, minha estadia em Lisboa foi curta e intensa. Saindo da Pastelaria Aurora, fui conhecer os bairros da Alfama e da Mouraria, curtindo as belezas históricas do primeiro e constatando que o segundo é um pouco “barra-pesada”, coalhado de imigrantes e lugares esquisitos que me pareceram bocas de fumo ou coisas similares. Retornei para a avenida da Liberdade onde entrei em um bar, cujo nome não recordo e não pensei duas vezes: olhei os sandes, variados, cheirosos, mas optei por bolinhos de bacalhau. E evidentemente pedi uma cerveja na pressão. Bem gelada. Desceu pela garganta feito água. Água sagrada do Tejo, possivelmente.

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