12.7.10

Charmosos e libertinos


Vássia Silveira


“Tenho o dedo podre pra homem, só encontro cafajeste no caminho”. Ouço o desabafo anônimo no ônibus, logo depois uma risada frouxa e a pergunta – vai me dizer que você não sabia que o cara era um galinha? – seguida pelo comentário: Ô tipinho irresistível!

Ao ouvi-lo fecho, definitivamente, o livro e ponho-me a pensar sobre o assunto. A idéia me incomoda e, racionalmente, não concordo com ela. Mas tenho que admitir a possibilidade de haver algum fundo de verdade na afirmação da moça, do contrário, porque estariam a literatura e a vida tão fartas de exemplos que corroboram a imagem?

Lembrei então de que o primeiro libertino que cruzou o meu caminho não foi na vida real – ainda que mais tarde eu não escapasse da amarga experiência. Encontrei-o, antes, nas picantes e perversas cartas de Choderlos de Laclos e em diversos outros livros ao longo do tempo.

É verdade que de nenhum guardei o nome do personagem, como fiz com o Visconde de Valmont, e pensando agora nisso me ocorre uma única justificativa, além da pouca memória: em se tratando de charmosos libertinos mudam os nomes, mas pouco as características.

Quando digo isso não me refiro ao fato de saberem manejar, como nenhum outro, as armas da sedução. Falo de traços nada sutis, os quais somente um olhar contaminado pelo encantamento é capaz de deixar escapar.

Saberá a caça reconhecer seu caçador? Penso nos olhos fugidios, aqueles cujo brilho ilusório é capaz de prender. Na mansidão das palavras enganadoras e no calor afoito de mãos percorrendo campos nunca suficientes ao desejo.

No ônibus, as amigas continuam a conversa e diante das histórias desfiadas ao longo do sonolento trajeto – que me recuso a reproduzir aqui dado a sordidez dos fatos –, me vem à cabeça a mais cretina de todas as perguntas: Por que ainda caímos na lábia de tão nefasta figura?

Pouparei o leitor, aqui, das obviedades. Assim como da indigna tentativa de encontrar respostas menos cretinas para tão surrada questão. Não somente porque me envergonho. Mas, sobretudo, pela chuva que cai agora, molhando o vidro, as folhas do caderno que havia esquecido próximo à janela e às caixas antigas, onde deixei guardadas as lembranças de meus erros.

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