21.10.10

Beber xingar trepar

Leonardo Dualit

Cinco anos de casamento… Carro, casa, filho, cachorro, emprego estável… Mas onde estava a tal felicidade? Então, numa certa manhã, depois de uma noite inteira de insônia e lágrimas contidas olhei em seus olhos e disse:

- Eu não te amo mais!

Aquela expressão de surpresa e incompreensão só piorou ao longo da curta conversa que tivemos. Nessas horas não há muito o que dizer. E eu nem sabia ao certo os motivos que me levaram àquela decisão. “Um divórcio nunca é fácil”. Certa vez ouvi alguém dizer isso e hoje sei o quanto é verdade. Eu até me arrisco a complementar esse pensamento dizendo que além de não ser fácil, geralmente não tem motivos lógicos. Parece meio assim mesmo… Depois de tanto tempo vivendo numa redoma de suporta felicidade, na qual não temos tempo sequer de parar para olhar para nós mesmos, nos modificamos pouco a pouco e, de repente, olhamos para trás, especificamente antes do início daquele relacionamento, e percebemos que éramos outra pessoa… Uma pessoa que hoje age diferente, se veste diferente, fala diferente… Enfim, não sabemos em que ponto as coisas começaram a desandar.

Então resta a velha conversa:

- Preciso me encontrar comigo… Saber quem eu sou… Só assim poderei me amar e saber o que eu amo… Sem me conhecer não tenho como saber o que me faz feliz.
Eu não tinha nenhum plano traçado Não foi uma decisão racional e, portanto, nem um pouco planejada. Cinco anos de uma convivência harmoniosa, mas sem felicidade; como água morna, que nem queima nem gela, mas que me corroia diuturnamente por dentro como um ácido sutil que eu nem percebia.

Atitudes como esta não são fáceis de tomar, temos que conviver com o remorso, a culpa, o medo, a saudade, a incerteza, a solidão, o julgamento dos outros… Por isso, poucos dias depois ainda sem ter desfeito as malas no apart-hotel que aluguei, resolvi pegara estrada. Meio que sem rumo. Nos meses que se seguiram me deixei permitir. Tentei encontrar sentimentos e desejos que há muito eu havia silenciado. Foram incontáveis litros de vinho em boas e más companhias. Instantes de fúria contra qualquer divindade que fosse responsável pelo remorso que ainda me consumia, mesmo que depois eu me ajoelhasse aos pés dessa mesma divindade pedindo perdão. E amores, rápidos, fugazes, carnais… às vezes de uma noite apenas, com pessoas mais jovens que não tinham muito a me oferecer. Mas, como eu disse, aqueles eram desejos e sentimentos que estavam sufocados e precisavam desesperadamente emergir e se encher de vida… para que depois (só depois), passada a euforia, eu pudesse afastar as garrafas vazias e os lençóis sujos e enfim encontrar aquela pessoa que sou de verdade.

Parece o roteiro de filme, né?! Mas se até aqui você estava achando que era mais uma história de superação, coragem, busca interior e todo esse blábláblá de livro de auto-ajuda, se enganou. Não sou uma esposa infeliz em busca de si mesma. Sou um homem, que à meia idade percebe que as coisas não estavam certas.

E se você acha que coragem teve Elizabeth Gilbert, interpretada por Julia Roberts no cinema, é porque não sabe o que é se taxado de canalha que abandona a família para se entregar aos prazeres do álcool e do sexo. E o pior, tentar fazer com que seu filho possa um dia entender que o que você fez não foi uma monstruosidade, mas apenas uma escolha. Escolhi a felicidade.

Mas confesso que é bem mais fácil quando se é mulher para fazer isso, porque aí sua história vira livro e depois filme...E você ganha além dos tapinhas nas costas e abraços de apoio, uma bolada de dinheiro em direitos autorais – e ainda dizem que nosso mundo é machista!

Mas o que Liz Gilbert e eu fizemos foi a mesma coisa. Só que para o livro dela deram um nome mais singelo. Um eufemismo comercial da indústria literária da auto-ajuda para fazer milhares de mulheres mal-amadas (ou melhor, que não têm amor próprio) comprarem o livro e os bilhetes do cinema. Eu que sou homem e não tenho nenhum compromisso comercial ao contar minha história prefiro um título mais verdadeiro: Beber Xingar Trepar… Porque no final das contas é isso que a gente faz mesmo depois do divórcio.

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